Fui convidada para falar num webinar esses dias e pude propor um tema que me é muito precioso, tanto porque é algo que constato quase todo dia em minhas atividades, como porque eu mesma fui o sujeito de um processo de autodescoberta que transformou minha vida e liderança.

Compartilho neste texto um racional muito importante que tem como conclusão o tema aqui proposto: líderes de verdade são gente de verdade!

E, para começar, vou falar sobre dois pontos:

· Como nossos cérebros lidam com questões de grande significado.

· O significado das relações de liderança.

Grande parte de nosso cérebro trabalha de forma automática e inconsciente, sendo que existem três principais mecanismos automatizados que devemos conhecer. São eles: reagir ao perigo, maximizar a recompensa e poupar energia.

E é importante saber que, quando reagimos automaticamente ao perigo, ou quando nos encontramos em estado de êxtase ou ansiedade, é natural que os sistemas cerebrais responsáveis por esses movimentos ‘roubem a cena’ e a energia de outras funções, como por exemplo as executivas, que representam nossas capacidades conscientes de análise, tomada de decisão, planejamento, inibição de impulsos, entre outros. Ou seja, quando esses sistemas entram em cena, há grande chance de haver uma queda na produtividade, tal como ocorre quando temos um ‘branco’ ao fazer uma prova porque ficamos ansiosos e preocupados demais.

E todo esse movimento fica potencializado quando lidamos com aspectos que são significativos pra nós. Como analogia bem simples, imagine que duas pessoas são rudes com você, mas uma não tem relevância emocional na sua vida, enquanto outra representa muita coisa. Com certeza seu cérebro ‘sofrerá’ mais no segundo caso, certo?

Nesse sentido, geralmente aquilo que impacta na nossa sobrevivência tem grande significado, como por exemplo o risco da fome, da integridade física e emocional, da falta de recursos financeiros, da falta de segurança, etc. Aliás, hoje, enquanto escrevo este texto continuamos em situação de pandemia do COVID-19, que tem representado grandes incertezas com relação a pelo menos três aspectos ultra significativos, como saúde, finanças, e relações sociais.

E, entrando no segundo ponto apontado no início do texto, trago à reflexão o fato de que figuras de liderança têm grande significado na vida das pessoas, uma vez que relações de liderança envolvem figuras de autoridade com poder de decisão sobre aquilo que acontece com outras pessoas, sem contar que o cérebro busca naturalmente por relações de confiança, especialmente com líderes. Assim, essas relações envolvem muita complexidade emocional, com sentimentos e expectativas significativas e intensas.

Então: se o cérebro reage quando há um sinal de perigo, e principalmente com aspectos mais significativos; se essas reações tendem a nos tornar menos produtivos; e relações de liderança têm um significado importante na vida das pessoas; qual a conclusão? Bom, quanto mais fluida e integrada for a relação entre líderes e liderados, melhor tende a ser o desempenho das pessoas, uma vez que há a liberação das travas emocionais e aumento da eficiência das funções executivas e, portanto, da própria produtividade.

Ok. Dito tudo isso, agora falarei da importância de um líder ser ‘gente de verdade’ dentro dessa equação.

Historicamente (e aqui não vou explorar os motivos disso), líderes tendem a ter crenças como:

· Tenho de ser forte.

· Tenho de ser racional.

· Não posso demonstrar fraquezas.

· Não posso demonstrar dúvidas.

· Tenho que saber tudo.

· Tenho que fazer tudo.

· Tenho de ser admirado e respeitado.

· Ninguém pode saber mais que eu.

· Preciso parecer sempre mais que os outros.

· E por aí vai…

Como nosso iceberg começa no pensamento, passa pelo sentimento e chega no comportamento, há várias consequências resultantes de tais crenças. Por um lado, uma tremenda falta de autoconhecimento, vez que o que rege a pessoa não é quem ela é, mas sim o que ela ‘deveria ser’, o que impacta na clareza para tomadas de decisão, condução de relacionamentos, entre outros. Além disso, mesmo quando esses líderes se conhecem, a tendência é que não se comportem com autenticidade e verdade, vez que mais importa a imagem que passam do que necessariamente o que é real.

Só que o cérebro consegue ler quando a intenção de alguém é diferente de suas ações… e isso é em grande parte explicado pela existência do que se chamam neurônios espelho, que foram associados a várias modalidades do comportamento humano, dentre as quais a leitura da intenção em outros humanos (Gallese, 2005; Rizzolatti, Fogassi, & Gallese, 2006).

E como será que isso interfere nas relações entre líderes e liderados? Bom, lembre-se de que já mencionei

que uma relação fluida entre líderes e equipes gera maior produtividade. Assim, quando um líder não mostra quem verdadeiramente é, e assim deixa de ser ‘gente de verdade’, as pessoas não vão conseguir compreendê-lo e ‘lê-lo’, o que pode representar ameaça e distração para seus cérebros.

Afinal, ao invés de focar no que importa, esses cérebros se distrairão com perguntas como:

· O que será que ele está pensando?

· Será que está gostando?

· Será que vou ser bem avaliado?

· Será que estou em risco?

· Será que vou ser exposto?

· Estou indo pelo caminho certo?

Isso sem contar que um cérebro estressado tende a filtrar as coisas de forma enviesada, o que pode impactar negativamente nas interpretações das pessoas a respeito daquilo que o líder ‘deixa de comunicar’, impactando ainda mais nas relações e produtividade.

O bom é que especialmente na última década temos conhecido os benefícios da liderança de gente de verdade, da vulnerabilidade, da co-construção, e etc. E, apesar de inicialmente isso parecer papo de abraçar árvore, tem total relação com produtividade e sustentabilidade. Digo isso porque a produtividade imediata pode ser atingida sob stress muitas vezes, mas no longo prazo ela se torna insustentável.

Veja, quando uma pessoa tem clareza de quem ela é, seus valores e sua identidade, e entende que a liderança envolve ser facilitador do crescimento das pessoas para obtenção de resultados, tudo muda!

Tudo passa a ser ferramental para levar o ‘todo’ aos resultados, por algo maior…

E, para rumar para um final, dentre tantos dados que suportam o que apresento aqui, cito um estudo de 2018 realizado por dois professores da Fundação Getúlio Vargas que mostrou que a confiança é fator significativo para aumento da produtividade.

E só é possível se confiar naquilo que se consegue entender, certo? Assim, se eu não leio meu líder, eu não confio nele e isso impacta direto na minha produtividade, o que gera um ciclo vicioso.

Ah, algo importante a ser colocado é que a vulnerabilidade e a transparência do líder serão manifestados de formas diferentes para pessoas de maturidade diferente… mas isso fica para um próximo texto.

Espero que essa reflexão toda possa contribuir para que você rume para se tornar um líder de verdade… sendo gente de verdade.

É isso aí.

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