Quantas vezes convivemos com alguém durante muito tempo e em algum momento essa pessoa faz coisas que não acreditamos? Ou quantas vezes somos questionados por quem nos conhece muito bem, e não acreditamos que a pessoa possa ter pensado aquilo de nós?
Situações assim podem acontecer após um email contendo um questionamento, ou um comentário que tocou num ponto fraco seu, ou até mesmo com um determinado comportamento de uma pessoa quando nem sequer está falando com você.
A grande verdade é que nosso cérebro está sempre zelando por nossa segurança e para que isso ocorra segue interpretando as situações como ameaça ou recompensa. Quando um acontecimento é interpretado por ele como um potencial risco, automaticamente são acionados nossos sistemas de defesa – ou nos acuamos (podendo nos retrair/fechar/abster/fugir/etc.) ou nos defendemos (respondendo/justificando/brigando/etc.).
Quando nosso cérebro funciona assim, tendemos a parar de pensar com clareza e passamos a criar generalizações e reagir por impulso, uma vez que a mensagem interna que corre em nós é: ‘Defenda-se! Você está em situação de perigo! Elimine-o de alguma forma!’. O cérebro tenta buscar a fonte desse perigo para que ela seja exterminada de alguma forma e nos impele a agir com autoproteção.
O problema é que, quando a potencial ameaça está associada à ação, reação ou omissão do outro, seu cérebro tenderá a generalizar a fonte daquela ameaça, fazendo com que você esqueça quem é a pessoa por trás do fato. E, no momento daquela generalização, a pessoa ‘se torna o próprio fato que o faz correr perigo’, fazendo com que você reaja a ela e não ao que aconteceu.
Por isso é que surgem os ‘não acredito’, ou ‘que sem noção’, ou ‘como ele fez isso comigo?’ – e nossos filtros e crenças são importantíssimos na forma com que fazemos essas interpretações.
Outro dia assisti o filme Até o Último Homem – que é baseado numa história real. O personagem principal Desmond T. Doss (interpretado por Andrew Garfield) se alistou para lutar na Segunda Guerra Mundial, mas se recusou a sequer pegar numa arma, por convicções internas e por acreditar que poderia salvar pessoas, ao invés de matá-las.
Durante a fase de treinamento, a reação que sua atitude causou em seus superiores e colegas foi de ‘não acredito que está fazendo isso’, a ponto de ser de certa forma abusado e quase ter sido levado à Corte Marcial. No entanto, ao longo da história Desmond Doss passou a ser conhecido pelas pessoas e, porque elas passaram a conhecer a ‘pessoa por trás do fato’, suas atitudes e convicções passaram a fazer muito mais sentido e ter muita, mas muita justificativa.
Claro que essa é uma história heroica e que acontece pouco no nosso dia a dia…. Mas, pare pra pensar nas pessoas a seu redor. Pare pra pensar em quem são – seus valores, o padrão de sua forma de pensar e o padrão de suas atitudes. E, quando elas fizerem algo que o fizer sentir ameaçado, lembre-se de quem são… isso certamente o ajudará a lidar de forma muito mais objetiva com o acontecido, e sem o risco de eventualmente prejudicar a relação em si.
Certa vez falava com uma grande amiga que atua comigo numa frente voluntária. Ela me ligou pra justificar uma atitude que havia tomado. Na mesma hora disse pra ela: “Fica tranquila. Conheço você! Sei que se falou é porque acreditava ser o certo. Vamos só alinhar o entendimento e tocar o barco” – o assunto acabou ali e nossa amizade só fortaleceu!
Convido-o a testar esse exercício e viver os frutos: ao se sentir ameaçado, lembre-se quem é a pessoa por trás do fato e lide somente com ele – pois a pessoa continua sendo a mesma!
É isso aí.