Hoje esse texto será um pouco mais longo, pois trará alguns aspectos referentes ao feedback, um tema que já é muito explorado, mas que parece nunca esgotar pela importância que representa e pelo fato de que não dá para falar em liderança sem falar em feedback.

Divido esse tema em três tópicos, quais sejam:

1. O que o feedback representa para as pessoas.

2. Cultura de feedback.

3. Uma possível abordagem para um feedback formal.

1. O que o feedback representa para as pessoas

Receber feedback é difícil pra qualquer pessoa, pois ele representa uma situação em que alguém é avaliado por outros e muitas vezes tem seu destino de vida definido por esses ‘outros’ sem que haja possibilidade de escolha – o que representa um dos principais gatilhos de ameaça para o cérebro. Há aqui uma grande incerteza com relação a assuntos sérios e de grande representatividade na vida de alguém, sem contar que muitas vezes isso vem acompanhado de um confronto direto ao senso de identidade, à construção de uma história de vida consistente e à própria autoconfiança da pessoa que está sendo avaliada.

Dito isso fica fácil entender quanto o cérebro se sente naturalmente em perigo com um feedback, o que o leva ao processamento automático daquele sistema de ‘bater ou correr’. Isso inclusive explica porque as pessoas muitas vezes são reativas quando recebem um feedback – elas simplesmente estão se protegendo e/ou reagindo a uma possível ameaça a tudo que coloquei aqui – autonomia, certeza, identidade, autoconfiança, etc.

Considerando esse cenário, para o feedback ser mais eficaz é importante que a pessoa acalme seu sistema límbico – que responde por esse movimento automático de reação ou fuga – para que então possa se manter mais aberta a receber sua avaliação de forma mais produtiva. Esse gerenciamento do sistema límbico pode ser dar por diversas maneiras, algumas delas mencionadas ao longo desse texto.

2. Cultura de feedback

O que é uma cultura de feedback? É uma cultura em que as pessoas estão abertas para dar e receber feedback constantemente e onde isso funciona de uma forma produtiva em que se percebe clareza de expectativas e percepções; comunicação aberta, transparente e generosa; além de abertura ao constante desenvolvimento.

Como uma possível proposta, num contexto em que essa cultura é estabelecida podemos pensar em pelo menos seis principais pontos.

O primeiro deles é a visão sistêmico-empática. A visão sistêmica, por si só, é a capacidade que uma pessoa tem de compreender os sistemas que existem dentro de uma organização e como eles se afetam mutuamente, enquanto a visão sistêmico-empática vai além, compreendendo também a percepção de como as pessoas são afetadas pelo funcionamento desse sistema ou como o serão com eventuais mudanças. Entender o todo e os ‘afetos’ na cultura de feedback é muito importante.

O segundo ponto é o autoconhecimento contínuo. Afinal, quando falamos de uma cultura em que constantemente compartilhamos com as pessoas o que na nossa percepção está bom e o que pode ser melhorado, temos de ter um nível muito elevado de autoconhecimento para compreender quando nossa leitura do outro tem realmente relação com ele… ou é alguma dificuldade nossa, passível de ser compreendida e trabalhada antes de que se possa verdadeiramente perceber o que deve ser trabalhado no outro.

O terceiro ponto é a frequência. Cultura de feedback significa tirar o ‘tabu’ dele – ou seja, é algo que tem de acontecer com certa regularidade. O quarto ponto é a informalidade. Não dá para dar feedbacks constantemente de uma maneira formal – pode até existir momentos em que ele será formal, mas em geral tem de ser algo mais leve e fluido para poder ser frequente, sob pena de se tornar inviável.

Um quinto ponto a ser considerado é a mentalidade dominante nessa cultura. Vários materiais já postados pela R122 falam sobre a proposta de mentalidade apresentada pela Carol Dweck, PhD – mentalidade fixa versus de crescimento.

Segundo essa abordagem (e em termos muito gerais), a mentalidade fixa representa a crença de que as pessoas são inteligentes ou burras; são capazes ou incapazes; têm determinadas características ou não – e aqui não cabe o desenvolvimento, sendo que o esforço é um demérito, porquanto pessoas ‘boas’ não precisariam se esforçar. Já a mentalidade de crescimento é aquela que valoriza o esforço, o aprendizado e o crescimento. Aqui importa menos o que alguém já tem ou o que já sabe, importando mais que haja um aprendizado e crescimento contínuos, afinal, segundo essa mentalidade, todo desenvolvimento é possível e será tão mais verdadeiro quanto maior for a dedicação e o que se aprende com ela. Traduzi essa mentalidade numa frase simples que sempre digo pro meu filho – “É mais esperto quem aprende mais!”

O quinto ponto da cultura de feedback, então, é justamente essa mentalidade de crescimento, para que se comporte o entendimento coletivo de que ninguém ‘é’ nada de maneira fixa, mas que as pessoas ‘estão’ algo e que estão em constante desenvolvimento. Isso é muito importante dentro dessa cultura pois o julgamento e o rótulo deixam de ser uma ameaça intrínseca do feedback, porquanto sempre haverá a crença de que as pessoas podem, sim, se desenvolver… e isso se aplicará igualmente a todos. Quanto mais verdadeira for essa mentalidade na cultura de uma organização, mais fluida será a aplicação do feedback e mais receptivas as pessoas serão a ele.

E derivado do que falei no parágrafo acima vem um sexto e último ponto da cultura de feedback – o foco na construção. Junto com a mentalidade de crescimento essa é a abordagem a ser adotada – levar o feedback como algo natural, pois construir deve ser algo natural e contínuo. Dessa forma se propõe que o feedback saia do lugar da crítica e da ameaça para a segurança da construção consistente e sustentável. Aliás, com esse tipo de abordagem a possibilidade de as pessoas escutarem e absorverem os feedbacks aumenta substancialmente, o que no final é o que mais se deseja, não é mesmo?

Ter o foco na construção significa tirar o juízo de valores do hoje e focar de maneira produtiva no que pode ser e no que se deve fazer pra chegar lá. Aliás, quando falamos em construção logo penso num prédio e essa é uma boa analogia para se adotar. Não adianta eu ficar irritado com o estágio de desenvolvimento de um edifício e/ou todo obstáculo que acontecer no avanço de meus planos, porque essa irritação, em si, não vai gerar nada. Ao contrário, preciso analisar o estágio, o que está dando certo e errado, considerar os desvios que acontecerão e pensar no que precisa ser ajustado para que a obra aconteça da melhor forma possível no menor tempo possível. Assim também é a cultura de feedback – foco geral na construção das pessoas, sem juízo de valores (mas claro que com medidas diferentes em situações especiais aqui não consideradas).

Resumindo, então, na cultura de feedback podemos encontrar: 1. visão sistêmico-empática, 2. autoconhecimento contínuo, 3. frequência, 4. informalidade, 5. mentalidade de crescimento e 6. foco na construção.

3. Uma possível abordagem para um feedback formal

A grande maioria das organizações tem feedbacks formais uma ou duas vezes por ano e, mesmo que haja uma cultura de feedback estabelecida, esses processos formais podem e devem acontecer, pois são mais profundos e estruturados.

O fato é que momentos de feedback sempre são difíceis para os líderes, motivo pelo qual existe tanto material sobre o assunto. Aliás, nós mesmo, na R122, já falamos bastante sobre isso e sempre vale a pena explorar mais. E, considerando tudo o que conhecemos sobre gente e eficácia de estratégias organizacionais, vou trazer seis possíveis pontos para se considerar quando houver um feedback formal.

O primeiro é estabelecer um ambiente de vulnerabilidade e verdade, por conta do que já falamos aqui a respeito da ameaça que esse processo representa para as pessoas. Por um lado, a ideia é que o líder inicie a conversa lembrando que esse é um momento difícil para quem recebe a devolutiva e por isso vale a pena começar a interação perguntando para a pessoa como ela está se sentindo; como ela vê aquele momento de feedback; o que ele representa para ela; bem como como ela pode estar mais aberta para receber aquela devolutiva. Por outro lado, o líder pode se mostrar vulnerável e verdadeiro compartilhando que aquele também é um momento difícil para ele, tanto por saber como é sensível estar na posição de receber a devolutiva, como por saber que um feedback pode sempre ser interpretado de forma diferente daquela que se pretende.

O segundo ponto tem relação com o líder sempre lembrar que em geral possui dois papeis. Um deles é o de representante de uma companhia ou organização, o que significa que esse líder deverá ter uma abordagem pragmática, objetiva e voltada para atender as metas daquela corporação. Já o outro papel é o de ser humano – o líder é um ser humano que está na frente de outro ser humano, o qual por sua vez está numa posição extremamente vulnerável, pois, afinal de contas, está ali para ser avaliado e para ter seu destino de certa forma definido (e não escolhido), como já falamos antes. O interessante é que esse líder posicione a pessoa que recebe o feedback sobre esses dois papeis, tanto adiantando que trará dados, fatos e sua percepção pessoal sobre eles, quanto reafirmando sua compreensão sobre a sensibilidade, vulnerabilidade e exposição do momento. É como se nesse discurso o líder se propusesse a dizer mais ou menos assim “pode ser que doa, mas estamos juntos!”

Para esse ponto é importante fazer uma ressalva de que para algumas pessoas que já possuem uma cabeça aberta ao feedback esse momento não será tão difícil e, para que não haja um excesso de cuidado que seja mal interpretado ou improdutivo, o primeiro ponto do líder entender onde está a pessoa será fundamental para a eficiência da interação.

O terceiro ponto é trazer os já mencionados mentalidade de crescimento e foco na construção. Para esse ponto não consideraremos situações em que a pessoa já não atende mais o ‘quanto’ e o ‘quando’ desejado pela organização, a despeito de esforços dedicados para seu desenvolvimento, quando é possível que ela tenha de ser desligada. Aqui focaremos apenas em situações de desenvolvimento.

A ideia desse terceiro ponto é que o líder olhe para a pessoa acreditando que ela pode desenvolver e melhorar, e que o esforço vai ajuda-la nesse sentido. O foco da conversa não pode ser o juízo de valores do que foi até aquele momento ou onde a pessoa está, mas a constatação objetiva do que está funcionando e não está, bem como o que precisa ser desenvolvido e trabalhado para que ela avance para os próximos passos em direção a onde pode chegar e é importante que chegue.

Vale ressaltar que para que esse ponto seja bem trabalhado o líder precisa ter um bom nível de maturidade para conseguir não atribuir juízo de valores, o que muitas vezes é difícil, já que seus resultados podem ser diretamente afetados pela performance e/ou postura insatisfatória/inadequada da pessoa.

O quarto ponto tem relação com o ‘como falar’, considerando as limitações do cérebro quanto à capacidade de processar novas informações, especialmente quando elas são complexas e carregam grande significado e peso emocional, como é o caso e como já falamos anteriormente.

Assim, uma boa abordagem aqui pode envolver uma mescla de feedback (=olhar para o passado) com feedforward (=sugerir para o futuro), além da utilização de uma abordagem curta (=quantidade de palavras), precisa (=qualidade das palavras) e generosa (=voltamos à empatia já considerada anteriormente).

Já a ideia do quinto ponto é trazer a pessoa para validar o que está sendo trazido. Pense que você, como líder, posicionou, colocou, abraçou e trouxe dados, fatos e sua percepção sobre isso. Chega, então, o momento de perguntar o que a pessoa percebe e pensa sobre o que está sendo trazido. E por que isso? Porque ao trazer a pessoa para analisar, criticar e validar o que está sendo trazido, você tanto aumenta a sensação de aliança, certeza e autonomia, como valorização, ativando assim o sistema de recompensa do cérebro e aumentando as chances da pessoa se envolver mais ativamente com aquele desenvolvimento – o que no final das contas é o que se deseja.

O sexto e último ponto é trazer a pessoa para a construção conjunta dos planos de desenvolvimento. O líder pode e deve parar para escutar as ideias de desenvolvimento que a pessoa tem antes de colocar as suas. Mais uma vez a proposta é aumentar o engajamento emocional e a eficácia daquilo que se pretende atingir. Da mesma forma que no quarto ponto, ao se sentir validada, valorizada, com possibilidade de escolha e certeza do que vem pela frente a pessoa poderá inclusive se mostrar mais aberta para testar novos modelos e possibilidades, tanto sendo mais criativa como se tornando mais comprometida com o que for combinado.

O líder pode fazer perguntas como “O que você quer trabalhar?”, “O que você gostaria de construir de diferente e como?”, “Onde você quer chegar em X tempo?”, “O que você acha que já tem a seu favor e o que precisaria ser lapidado? Como?”, “Que ideias ou estruturas de desenvolvimento você já viu funcionar que caberiam aqui?” A partir daí o líder deve se colocar numa postura de escuta genuína e interessada, depois até mesmo agradecendo pelo engajamento e abertura que foi apresentada.

A seguir, o líder pode colocar suas impressões sobre o que foi trazido e colaborar com o que pensa, também de uma forma genuína e direta, bem como generosa, com o álibi de que esse líder é alguém experimentado e que está ali buscando contribuir com o crescimento da pessoa. Aqui, inclusive, é o momento de trazer sugestões de estruturas e métodos que a própria organização já tenha na ‘manga’. Lembrando, como já foi estabelecido um ambiente de co-criação, a tendência é que a pessoa se abra sinceramente para considerar os pontos que estão sendo trazidos pelo líder nesse momento.

É nesse ponto também que o líder poderá trazer a pessoa à autorresponsabilização, lembrando que ela é a principal responsável e maior interessada pelo seu próprio desenvolvimento, colocando-se à disposição para ajudar no que puder – inclusive fazendo checagens periódicas para pensar junto quando necessário.

Resumindo os pontos do feedback formal, o processo que podemos seguir é: 1. vulnerabilidade e verdade; 2. posicionamento dos papeis do líder; 3. mentalidade de crescimento e foco na construção; 4. como falar; 5. trazer a pessoa para validar; 6. co-construção dos planos de ação e autorresponsabilização.

Conclusão

Concluindo esse grande texto, feedback é um termo complexo e muito importante! Como já mencionamos em outros materiais, para que uma pessoa se mantenha em constante desenvolvimento e aprendizado, avançando consistentemente para plenitude de seu potencial, é essencial o autoconhecimento, sendo que o melhor termo desse autoconhecimento está naquilo que percebemos sobre nós mesmos mais os padrões que outros percebem a nosso respeito – e o feedback tem um papel visceral nesse processo.

Também como já foi posto, a proposta aqui colocada não é exaustiva e nem a única que se pode considerar. Ela é, sim, uma proposta baseada em tudo que conhecemos de transformação de pessoas e organizações, bem como todo o conhecimento científico que vimos adquirindo ao longo do tempo sobre gente e o que tende a funcionar para que as pessoas se abram para a avaliação externa e aproveitem isso de forma produtiva – o que no final é o que mais se deseja a partir da prática do feedback.

Como todo processo de aprendizado, o que se propõe nesse texto é mais um que depende de 4Cs para acontecer – consciência, consistência, cadência e coração (uma metodologia da R122 descrita em outros materiais). Ou seja, não acontece da noite para o dia, mas vale a pena para geração de ambientes mais verdadeiros e produtivos.

Como último ponto, algo que não foi mencionado diretamente aqui, mas que é visceral para o sucesso do que está sendo proposto, é o preparo e maturidade do líder. Quando um processo que envolve questões tão internas do ser humano é colocado, não basta apenas aplica-lo como um checklist – é essencial se trabalhar na maturidade do líder, o que tanto pode ser feito antes como durante a aplicação do processo. Aliás, é um sistema que se retroalimenta… mas isso fica para outro texto!

É isso aí.

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